Entre a verdade e a popularidade: O drama de
Jeremias e o desvio da igreja contemporânea
Vivemos uma era em que
muitos líderes e comunidades cristãs enfrentam um perigoso dilema. Continuar
proclamando fielmente a Palavra de Deus ou moldá-la para agradar um público
cada vez mais seletivo, sensível e autocentrado. A figura do “cliente” parece
ter substituído a do discípulo. Em vez de ouvintes dispostos a carregar a cruz,
temos “consumidores de fé” que exigem conforto, motivação e conveniência. A
preocupação dominante deixou de ser a glória de Deus para tornar-se a
satisfação do auditório. Nesse cenário, o drama do profeta Jeremias torna-se
assustadoramente atual.
Jeremias foi chamado por
Deus para anunciar uma mensagem dura a um povo rebelde. No capítulo 20, versos
7 a 9, ele desabafa sua angústia e sentia-se persuadido, até enganado, por
Deus, pois ao aceitar sua missão, se tornou objeto de zombaria. Disse: “Sou
objeto de riso o dia todo; todos zombam de mim.” A Palavra do Senhor,
embora verdadeira, lhe custou respeito, amizades e estabilidade. E, no auge da
dor, ele quis silenciar. Mas não conseguiu: “Havia no meu coração como fogo
ardente... e não podia conter-me.”
Jeremias experimentou a
crise que muitos pregadores fiéis enfrentam hoje. Ele não adaptou a mensagem
para ser aceito. Não negociou a verdade em troca de aprovação. Não
comercializou a Palavra para manter público. E por isso, sofreu. A fidelidade à
revelação de Deus o levou ao cárcere, ao desprezo, à solidão, mas não à
omissão. O fogo em seus ossos era mais forte do que o medo da rejeição.
Essa tensão profética
entre a verdade e a popularidade também é expressa por Paulo em 2 Timóteo
4:3-4, quando ele alerta que “virá tempo em que não suportarão a sã doutrina”,
preferindo “mestres segundo as suas próprias cobiças”. Estamos nesse
tempo. Muitos evitam temas como pecado, juízo, arrependimento e santidade. As
mensagens precisam ser leves, inspiradoras, “instagramáveis”. O púlpito virou
palco, e o pregador, um animador de plateia. Mas Paulo é claro ao afirmar que
agradar homens é incompatível com servir a Cristo (Gálatas 1:10). Quem busca o
favor humano se desvia da vocação profética que clama, denuncia, corrige e
santifica.
Isaías 58:1 é ainda mais
direto: “Clama em alta voz... anuncia ao meu povo a sua transgressão.” O
mandamento não é suavizar, mas denunciar. Não é entreter, mas confrontar. A
trombeta não toca melodias agradáveis; ela soa alarme. E a igreja que teme
desagradar seus membros perde a autoridade para conduzi-los ao arrependimento.
A mensagem de Deus não pode ser negociada com a sensibilidade da audiência.
Deve ser proclamada com a seriedade do juízo e o zelo pela glória do Senhor.
O drama de Jeremias é,
portanto, o retrato de todos os que ousam permanecer fiéis em tempos de apatia
espiritual. Sua dor revela a cruz que todo verdadeiro proclamador da Palavra
deve carregar, a cruz do desprezo, da impopularidade, da solidão. Mas também
revela a paixão ardente que sustenta a alma vocacionada com o fogo da Palavra
viva, que consome por dentro e transborda por amor ao Deus que chama, envia e
sustenta.
Que a igreja de hoje
escolha novamente a fidelidade, mesmo que isso lhe custe aplausos. Que volte a
clamar com voz de trombeta, mesmo que isso afaste os ouvidos sensíveis. Que
rejeite ser um “empreendimento religioso” para voltar a ser o Corpo de Cristo.
E que os profetas não calem, pois há fogo demais nos ossos para isso.
Pr. Gilberto Silva –
Gurupi-TO