A coragem de existir em um mundo que nos quer submissos
A frase de Ailton Krenak:
"Nós temos de ter coragem de ser radicalmente vivos. E não negociar
sobrevivência", é um potente chamado à resistência, à autenticidade e
à dignidade da vida em meio a estruturas opressoras. Ela ressoa com força no
contexto de um mundo moldado pelo capitalismo selvagem, pela exclusão social,
pela degradação ambiental e pela desumanização crescente das relações.
Coragem de ser
radicalmente vivos
Ser “radicalmente vivo”
é mais do que existir biologicamente. É não se conformar com uma vida mutilada,
adaptada aos moldes de um sistema que reduz o ser humano a uma peça produtiva.
É uma convocação à plenitude da existência, à vivência da espiritualidade, da
cultura, da ancestralidade, da sensibilidade e da consciência crítica.
É lembrar, como diria o
filósofo Spinoza, que a essência do ser humano é o desejo de perseverar no ser
com alegria, não com resignação. Em um mundo injusto, ser radicalmente vivo é
um ato político. É o grito dos que se recusam a ser silenciados, apagados,
domesticados. É o gesto dos povos indígenas, como Krenak, que resistem ao
genocídio, à invasão de seus territórios e à tentativa constante de apagamento
cultural.
Não negociar
sobrevivência
Sobrevivência, nesse
contexto, é o mínimo: comida, teto, trabalho, muitas vezes obtido à custa da
própria dignidade. O sistema nos empurra para aceitar menos, para agradecer
pela migalha, para trocar liberdade por estabilidade, identidade por
funcionalidade.
Krenak nos desafia a não
aceitar esse acordo perverso. A não vender a alma em troca de um lugar precário
na engrenagem. A recusar as falsas promessas de progresso que não incluem
todos. Como pensador que articula cosmologia indígena e crítica social, ele nos
lembra que há outros modos de existir, mais comunitários, mais sustentáveis,
mais humanos.
Reflexão filosófica e
realista
Vivemos sob a égide de um
sistema que coloniza até os desejos. A lógica da produtividade, do consumo, do
sucesso individual, transforma a vida em mercadoria.
Foucault falaria da
“biopolítica” que administra corpos e vidas. Hannah Arendt apontaria o risco de
uma “vida sem pensamento” no totalitarismo do cotidiano. Paulo Freire falaria
da desumanização como processo sistêmico.
Krenak, porém, vai além.
Ele propõe descolonizar o imaginário. E essa descolonização começa quando temos
a coragem de recusar uma existência reduzida à utilidade. Quando nos permitimos
ser poesia, canto, dança, contemplação, cuidado. Quando dizemos que não basta
sobreviver, eu quero viver com sentido, com alma, com o outro.
Viver como ato de
insurgência
Diante de um mundo
excludente e injusto, a frase de Krenak é um manifesto para viver intensamente,
com dignidade e consciência, é uma forma de insurgência. É lembrar que, como
nos ensina a sabedoria indígena, tudo está interligado: humanos, natureza,
tempo, memória. E que viver bem não é acumular, mas pertencer.
Não negociar
sobrevivência é afirmar que a vida vale mais do que qualquer sistema. É fazer
da própria existência um espaço de liberdade, beleza e transformação. É
resistir, como árvore que finca raízes profundas, mesmo diante do deserto.
Pr. Gilberto Silva –
Gurupi-TO