Em pleno século XXI, a
humanidade se vangloria de avanços tecnológicos, conquistas espaciais e redes
sociais que nos conectam instantaneamente. No entanto, à sombra de toda essa
“evolução”, ocorrem horrores indescritíveis. Milhares de crianças morrem à
mingua diariamente, vítimas de fome, sede, doenças evitáveis e o mais cruel, a
indiferença. Seus corpos pequenos são reduzidos a sombras esqueléticas; seus
olhos, antes cheios de curiosidade e esperança, apagam‑se em silêncio.
Esse drama não se
desenrola em um passado remoto ou em um cenário de guerra declarada, mas nas
cidades, vilarejos e campos de refugiados espalhados por todas as regiões do
globo. Enquanto isso, grande parte da sociedade prefere fechar os olhos,
alimentando‑se de distrações banais e simulacros de realidade que fingem
preencher o vazio de sentido criado pela desconexão do próximo.
É paradoxal e sintomático
que, em muitos lares, se dedique tempo e recursos a cuidar de bonecas infláveis,
alimentar bebês de plástico e encenar consultas imaginárias, enquanto crianças
de carne e osso imploram por atenção. Essa “cultura do faz de conta” não nasceu
com a internet ou os brinquedos modernos. Ela tem raízes profundas na tendência
humana de escapar do sofrimento alheio por meio da fantasia.
Brincar é essencial para
o desenvolvimento infantil, mas quando a fantasia de alguns revela a
insensibilidade de outros, torna‑se um espelho distorcido da realidade. Enquanto
uma criança brinca de ser mãe de plástico, outra luta para não ser mãe, muitas
vezes ainda, mãe de si mesma, sem sequer um suspiro de ar puro ou uma gota de
leite nutritivo.
A indiferença se
manifesta de várias formas: gestos de caridade vazios, doações pontuais sem
planejamento, “likes” em postagens de denúncias sem mobilização concreta. Essas
atitudes, mesmo que bem‑intencionadas, pouco alteram o quadro estrutural que
mantém milhões em estado de vulnerabilidade.
O compromisso cristão,
pastoril e comunitário deve ir além do sentimento de culpa ou da simples
comoção momentânea. É preciso um diagnóstico profundo. Entender as causas da
fome, desde conflitos políticos, crises econômicas e mudanças climáticas, até
estruturas injustas de distribuição de renda.
É preciso também ações
coordenadas, visando estabelecer parcerias entre igrejas, organizações não governamentais, órgãos públicos e iniciativa privada, para criar redes de
atendimento sustentáveis. Sem esquecer da educação e capacitação, sim, porque
não basta distribuir o alimento. É necessário ensinar práticas agrícolas,
higiene, nutrição e gerar oportunidades que quebrem o ciclo da pobreza. E ir
mais além, com advocacia e mobilização. Exigir políticas públicas efetivas,
transparência e responsabilização de governos e empresas que contribuem, direta
ou indiretamente, para a insegurança alimentar.
Chamamos de “primeiro
mundo” sociedades que apresentam alta renda per capita, grande acesso à
tecnologia e expectativas de vida prolongadas. Contudo, a miséria moral dessas
nações se revela em estatísticas de suicídio, depressão, solidão extrema e
consumo desenfreado de substâncias tóxicas.
Enquanto isso, em regiões
rotuladas de “terceiro mundo”, comunidades inteiras demonstram resiliência,
solidariedade e fé sobre-humana, muitas vezes nutrida pela esperança cristã. A
verdadeira barbárie não está na escassez de recursos, mas na decisão de ignorar
o grito dos pequenos em favor de entretenimentos efêmeros e confortos ilusórios.
5. A Esperança angustiante,
“Senhor, Volta Logo”, reflete a aflição de um coração cristão que presencia o
mal triunfando na forma de negligência global. Contudo, a escatologia bíblica
não deve servir como pretexto para a inação, mas sim como incentivo ao serviço
cristão, ao amor encarnado e à fidelidade ativa.
Efésios 5:1-2 nos
confronta e nos chama a essa ação ao afirmar que “Sede pois imitadores de Deus
como filhos amados e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou
por nós…”, portanto, nos convoca a não ficarmos parados e resistirmos, até que
esse dia glorioso chegue.
A vinda de Cristo
anunciará o fim de toda fome, de toda lágrima, de toda injustiça. Entretanto,
até que Ele venha, somos chamados a ser Suas mãos e pés neste mundo. Não
podemos esperar passivamente pelo cumprimento das promessas divinas enquanto a
vida se esvai entre nossos dedos.
Precisamos acordar do torpor
espiritual e reconhecer o nosso próprio conforto como fruto de graça não
conquistada, mas concedida por Deus. Promover e cultivar a empatia, ouvindo, de
fato, o clamor das crianças famintas. Não apenas com os ouvidos, mas com o
coração. Praticar
sempre a justiça, seguindo o exemplo de Jesus, que quebrou
barreiras sociais para tocar leprosos, alimentar multidões e defender a
verdade.
Deixar as quatro paredes,
sair do conforto e deixarmos de ser “ovelhas gordas”, vigiadas por “pastores
opulentos e ‘avarentos’”. Partilhar bens, talentos e tempo e Atos 2:44 nos
revela que a igreja primitiva tinha “tudo em comum”, não por imposição, mas por
amor genuíno. E nunca ficarmos calados e sempre testemunhar com credibilidade,
para que nosso estilo de vida, nossa generosidade e nosso engajamento sejam luz
para o mundo, apontando para o Reino que há de vir.
O contraste entre a
realidade brutal de milhões de crianças famintas e a cena grotesca de bonecas
mamadeiras não é mera coincidência. É a síntese do pecado que nos afasta do
nosso Criador e do nosso próximo. Contudo, o mesmo Deus que condena nossa
indiferença oferece a solução, Um amor que Se faz servo até à morte, conforme descrito
em Filipenses 2:8 e a promessa de restauração total.
Que não percamos tempo
replicando fantasias vazias, mas que invistamos todas as nossas forças na
“revolução do amor.” Aquela que alimenta corpos, cura corações e aponta, com
urgência, para a vinda gloriosa de Jesus Cristo.
Pr. Gilberto Silva - Gurupi-TO