A escravidão legal foi
encerrada, sim. Mas o racismo, a desigualdade, a exclusão e a violência
estrutural continuaram, e ainda continuam, presentes de forma cruel na vida da
população negra brasileira. A assinatura de uma lei por uma princesa branca,
membro da elite imperial, não pode ser romantizada como ato de benevolência,
pois não foi acompanhada de políticas de reparação, de inclusão ou de justiça
social. O povo negro foi abandonado à própria sorte, sem terra, sem emprego,
sem moradia, sem educação. Apenas com o peso do preconceito nas costas.
Antes mesmo da assinatura
da Lei Áurea, a luta pela liberdade já era travada por heróis e heroínas
invisibilizados pela história oficial. Os Quilombos, com destaque para o
Quilombo dos Palmares, liderado por Zumbi, são símbolos da resistência negra,
da força coletiva e da coragem diante da opressão. Foram movimentos de
organização autônoma, de construção de uma sociedade mais justa, onde os negros
buscavam viver longe do jugo escravagista.
Hoje, mais de 130 anos
depois da abolição formal, o povo negro ainda precisa lutar diariamente para
sobreviver. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, e essa
desigualdade tem cor. Os índices de violência apontam que os corpos negros são
os principais alvos da brutalidade policial, dos assassinatos impunes, da prisão
em massa. Jovens negros morrem todos os dias nas periferias das cidades,
vítimas de um sistema que os considera descartáveis.
As oportunidades de
trabalho, acesso à saúde de qualidade, à educação, aos espaços de poder e
decisão ainda são majoritariamente negadas às pessoas negras. Quando um negro
chega à universidade, é visto como exceção; quando assume um cargo de
liderança, é questionado; quando exige respeito, é silenciado. A estrutura é
feita para manter o privilégio branco e marginalizar o negro.
Essa não é apenas uma
questão brasileira. O racismo é global, fruto de uma lógica imperialista e
capitalista que se alimenta da exploração dos corpos negros e indígenas, dentro
e fora das fronteiras nacionais. As elites dominantes, herdeiras dos senhores
de escravos, continuam a perpetuar a opressão, agora travestida de meritocracia
e neutralidade.
Por isso, o 13 de maio
precisa ser um chamado à consciência, não à comemoração. Um grito de alerta à
sociedade brasileira para que não aceite mais essa abolição inconclusa. A
verdadeira liberdade não se resume ao fim de grilhões de ferro, mas à conquista
plena da dignidade, da equidade, da justiça.
A luta do povo negro não
acabou. Ela continua nas ruas, nas universidades, nos quilombos contemporâneos,
nas organizações sociais, nas expressões culturais, na espiritualidade
afro-brasileira e em cada ato de resistência diária diante da exclusão. É
necessário reconhecer, afirmar e fortalecer essa luta, garantindo políticas
públicas efetivas, educação antirracista, reparação histórica e valorização da
identidade negra.
Que o 13 de maio não seja lembrado como o dia em que a princesa “libertou” os escravos, mas como o dia em que o Brasil precisa reconhecer que ainda deve a verdadeira liberdade ao povo negro. E que só haverá democracia plena quando houver justiça racial.
Por uma abolição real.
Por uma humanidade que reconheça a dignidade de todos os corpos. Pela vida
negra, que importa, resiste e insiste.
Missa Campal realizada por ocasião da abolição da escravatura (Brasiliana Fotográfica / Instituto Moreira Salles)
Pr. Gilberto Silva –
Jornalista, professor universitário aposentado, poeta e escritor.