“Futebol de Água e Infância”
(Entre Pedro Afonso e Itacajá – Tocantins)
No espelho d’água do Tocantins,
entre caminhos de chão e silêncios verdes,
dois meninos transformam o remanso
em campo de glória e fantasia.
O gol é improvisado com paus e coragem.
A bola, molhada, insiste em fugir,
mas volta — como quem entende
que ali, todo chute é também um recomeço.
Com os pés submersos,
eles driblam não só a água,
mas o destino já traçado por tantos.
E chutam.
Chutam como quem diz:
“Eu posso ir além.”
Não há torcida barulhenta,
ninguém grita, ninguém ovaciona.
Mas há olhos atentos
dos colegas da beira, de peito nu e alma cheia,
e dos animais que, na mata,
observam com respeito o espetáculo da vida.
Um bem-te-vi canta do alto.
Uma vaca rumina sem pressa.
Uma garça se equilibra numa perna só,
um cavalo arriado,
enquanto um cachorro se deita
ao pé de uma árvore velha.
A natureza é arquibancada.
O sertão é silêncio em reverência.
E mesmo sem o grito do povo,
cada passe, cada chute,
ressoa fundo como um hino teimoso.
É um sonho insolente,
indolente e verdadeiro,
feito de barro, suor e esperança.
Esses meninos, ainda que rindo,
não deixam de sonhar.
Na bola, vão longe,
porque o presente é duro,
mas o futuro...
ah, o futuro se desenha ali mesmo,
entre um chute e outro,
nas águas calmas do sertão.
A infância, mesmo áspera, é inteira.
Não se perdeu.
Nem se desprezou.
Fortaleceu-se no campo,
na enxada que o pai segura,
na colheita que a mãe organiza,
na fé que se aprende cedo.
Eles sabem:
o caminho é longo,
mas não é impossível.
Porque, no Norte do Brasil,
o menino é também guerreiro.
E sua bola, ainda que de pano ou de plástico,
carrega o peso dos sonhos de um povo.
O futebol ali é muito mais que jogo.
É resistência.
É arte.
É alma.
E nas águas do Tocantins,
dois garotos escrevem, com os pés,
uma poesia que só o sertão entende.
E que o mundo, um dia, vai ler.
Fotos tiradas em janeiro de 2014, em uma viagem missionária para as cidades de Palmas, Miranorte, Pedro Afonso, Bom Jesus, Goiatins, Barra do Ouro, Itacajá, na passagem de uma ponte em uma "currutela" tocantina.
Pr. Gilberto Silva - Gurupi-TO